terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Fichamento: A Identidade Cultural da Pós-Modernidade

Segundo Hall, as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado.
Hall faz uma distinção de três concepções muito diferentes de identidade, a saber, as concepções de identidade do: sujeito do Iluminismo; sujeito sociológico e sujeito pós-moderno.
Segundo o autor, o sujeito do iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo ao longo da existência do indivíduo.
Hall assinala que a noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas eram formados na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos dos mundos que ele/ela habitava. De acordod com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade.
De acordo com o autor, o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado, composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.
Hall diz que, o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.
O autor diz que, outro aspecto desta questão da identidade está relacionado ao caráter da mudança na modernidade tardia; em particular, ao processo de mudança conhecido como “globalização” e seu impacto sobre a identidade cultural.
Segundo o autor, as sociedades modernas são, portanto, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e permanente. Esta é a principal distinção entre as sociedades “tradicionais” e as “modernas”.
Hall diz que, Giddens, Harvey e Laclau oferecem leituras um tanto diferentes da natureza da mudança do mundo pós-moderno, mas suas ênfases na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento contêm uma linha comum.
Segundo o autor, a época moderna fez surgir uma forma Nov e decisiva de individualismo, no centro da qual erigiu-se uma nova concepção do sujeito individual e sua identidade. Isto significa que nos tempos pré-modernos as pessoas não eram indivíduos, mas que a individualidade era tanto vivida quanto conceptualizada de forma diferente. As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais. O status, a classificação e a posição de uma pessoa na grande cadeia do ser predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um indivíduo soberano. O nascimento do “indivíduo soberano”, entre o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII, representou uma ruptura importante com o passado. Alguns argumentam que ele foi o motor que colocou todo o sistema social da “modernidade” em movimento.
O autor assinala que, muitos movimentos importantes no pensamento e na cultura ocidentais contribuíram para a emergência dessa nova concepção: a Reforma e o Protestantismo, que libertaram a consciência individual das instituições religiosas da Igreja e a expuseram diretamente aos olhos de Deus; o humanismo Renascentista, que colocou o homem no centro do universo; as revoluções científicas, que conferiram ao homem a faculdade e as capacidades para inquirir, investigar e decifrar os mistérios da Natureza; e o Iluminismo, centrado na imagem do homem racional, científico, libertado do dogma e da intolerância, e diante do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser compreendida e dominada.
Hall diz que na medida em que as sociedades modernas se tornavam mais complexas, elas adquiriam uma forma mais coletiva e social. As teorias clássicas liberais de governo, baseadas nos direitos e consentimento individuais, foram obrigadas a dar conta das estruturas do estado-nação e das grandes massas que fazem uma democracia moderna. As leis clássicas da economia política, da propriedade, do contrato e da troca tinham de atuar, depois da industrialização, entre as grandes formações de classe do capitalismo moderno. O cidadão individual tornou-se enredado as maquinarias burocráticas e administrativas do estado moderno.
Segundo o autor, o sujeito passou a ser visto como mais localizado e definido no interior dessas grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna. Dois importantes eventos contribuíram para articular um conjunto mais amplo de fundamentos conceptuais para o sujeito moderno. O primeiro foi a biologia darwiniana. O segundo evento foi o surgimento das novas ciências sociais.
O autor diz que a primeira descentração importante refere-se às tradições do pensamento marxista. Marx deslocou duas proposições-chave da filosofia moderna: que há uma essência universal de homem; que essa essência é o atributo de cada indivíduo singular, o qual é seu sujeito real. O fato é que, embora seu trabalho tenha sido amplamente criticado, seu anti-humanismo teórico teve um impacto considerável sobre muitos ramos do pensamento moderno.
Hall diz que o segundo dos grandes “descentramentos” no pensamento ocidental do século XX vem da descoberta do inconsciente por Freud. A teoria de Freud de que nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funciona de acordo com uma lógica muito diferente daquela Razão, arrasa com o conceito do sujeito cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada – o ‘penso, logo existo”, do sujeito de Descartes. Este aspecto do trabalho de Freud tem tido também um profundo impacto sobre o pensamento moderno nas três últimas décadas.
Para Hall, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no mento do nascimento. Existe sempre algo imaginário ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. As partes “femininas” do eu masculino, por exemplo, que são negadas, permanecem com ele e encontram expressão inconsciente em muitas formas não reconhecidas, na vida adulta. Assim em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a “identidade” e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude.
O autor assinala o terceiro descentramento com o trabalho do lingüista estrutural Ferdinand de Saussure. Saussure argumentava que nós não somos, em nenhum sentido, os autores das afirmações que fazemos ou dos significados que expressamos na língua.
O quarto descentramento principal da identidade e do sujeito ocorre no trabalho do filósofo e historiador francês Michel Foucault, que destaca um novo tipo de poder, que chama de “poder disciplinar”, que se desdobra ao longo do século XIX, chegando ao seu desenvolvimento máximo no início do presente século. O objetivo do “poder disciplinar” consiste em manter “as vidas, as atividades, o trabalho, as infelicidade e os prazeres do indivíduo”, assim como sua saúde física e moral, suas práticas sexuais e sua vida familiar, sob estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes administrativos, do conhecimento especializado dos profissionais e no conhecimento fornecido pelas disciplinas das Ciências Sociais.
Hall diz que o quinto descentramento é o impacto do feminismo, tanto como uma crítica teórica quanto um movimento social. Mas o feminismo teve também uma relação mais direta com o descentramento conceitual do sujeito cartesiano e sociológico: questionou a clássica distinção entre o “dentro” e o “fora”, o “privado” e o “público”; abriu para a contestação política, arenas inteiramente novas de vida social: a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, o cuidado com as crianças, etc; enfatizou, como uma questão política e social, o tema da forma como somos formados e produzidos como sujeitos generificados; expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero; o feminismo questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a “Humanidade”, substituindo-a pela questão da diferença sexual.
Segundo Hall, no mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial. As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. As diferenças entre as nações residem nas formas diferentes pelas quais elas são imaginadas. Hall selecionou cinco elementos principais:
1) Há narrativa da nação, tal como é contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular;
2) Há a ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na intemporalidade. A identidade nacional é representada como primordial. Os elementos essenciais do caráter nacional permanecem inutáveis, apesar de todas as vicissitudes da história. Está lá desde o nascimento, unificado e contínuo, “imutável” ao longo de todas as mudanças, eterno;
3) Hobsbawn e Ranger chama de invenção da tradição: “tradições” que parecem ou alegam ser antigas são muitas vezes de origem bastante recente e algumas inventadas;
4) O mito funcional: uma estória que localiza a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo, não do tempo “real”, mas de um tempo “mítico”.
Para Hall, o discurso da cultura nacional não é, assim, tão moderno como aparenta ser. Ele constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade. As culturas nacionais são tentadas, algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele “tempo perdido”, quando a nação era “grande”, são tentadas a restaurar as identidades passadas. Este constitui o elemento regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional. Mas freqüentemente esse mesmo retorno ao passado oculta uma luta para mobilizar as “pessoas” para que purifiquem suas fileiras, para que expulsem os “outros” que ameaçam sua identidade e para que se preparem para uma nova marcha para a frente.
Segundo o autor, não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça,uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional. A maioria das nações consiste de culturas separadas que só foram unificadas por um longo processo de conquista violenta. As nações são sempre compostas de diferentes classes sociais e diferentes grupos étnicos e de gênero. As nações ocidentais modernas foram também os centros de impérios ou de esferas neo imperiais de influência, exercendo uma hegemonia cultural sobre as culturas dos colonizados.
Hall assinala que, em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade.
Segundo ele, a etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos ás características culturais – língua, religião, costume, tradições, sentimento de “lugar”, que são partilhadas por um povo.
O autor diz que a raça é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica, ela é a categoria organizadora daquelas formas de falar, daqueles sistemas de representação e práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, freqüentemente pouco específico, de diferenças em termos de características físicas, cor da pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, como marcas simbólicas, a fim de diferenciar socialmente um grupo do outro. As identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres do jogo de poder, de divisões e contradições internas, de lealdades e de diferenças sobrepostas. Assim, quando vamos discutir se as identidades nacionais estão sendo deslocadas, devemos ter em mente a forma pela qual as culturas nacionais contribuem para “costurar” as diferenças numa única identidade.
Para Hall, a globalização se refere àqueles processos atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da “sociedade” como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço. Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compreensão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre as identidades culturais.
Hall diz que o que é importante para nosso argumento quanto ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. A narrativa traduz os eventos numa seqüência temporal “começo-meio-fim”; os sistemas visuais de representação traduzem objetos tridimensionais em duas dimensões.
Segundo o autor, as identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito as coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações “globais” começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais.
Hall diz que, quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades, dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade,seja como sonho, que contribui para esse efeito de “supermercado cultural”.
O autor diz que a globalização explora a diferenciação local. Assim, ao invés de pensar no global como substituindo o local seria mais acurado pensar numa nova articulação entre o global e o local. Este local não deve, naturalmente, ser confundido com velha identidades, firmemente enraizadas em localidades bem delimitadas. Em vez disso, ele atua no interior da lógica da globalização. Entretanto, parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir novas identificações globais e novas identificações locais.
Hall diz que a globalização é muito desigualmente distribuída ao redor do globo, entre regiões e entre diferentes estratos da população dentro das regiões. A proliferação das escolhas de identidade é mais ampla no centro do sistema global que nas suas periferias. Os padrões de troca cultural desigual,familiar desde as primeiras fases da globalização,continuam a existir na modernidade tardia.
Segundo o autor a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e fechadas de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas. Entretanto, seu efeito geral permanece contraditório. Algumas identidades gravitam ao redor daquilo que Robins chama de Tradição, tentando recuperar sua pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas. Outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao plano da história, da política, da representação e da diferença e,assim, é improvável que elas sejam outra vez unitárias ou puras; e essas,conseqüentemente, gravitam ao redor da tradução. A palavra “tradução”, vem etimologicamente do latim, significando transferir; transportar entre fronteiras.
O autor diz que, existem fortes tentativas para se reconstruírem identidades purificadas, para se restaurar a coesão, o fechamento e a tradição, frente ao hibridismo e à diversidade. Dois exemplos são o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental e o crescimento do fundamentalismo.O ressurgimento do nacionalismo e de outras formas de particularismo no final do século XX, ao lado da globalização e a ela intimamente ligado, constitui uma reversão notável, uma virada bastante inesperada dos acontecimentos. Nada nas perspectivas iluministas modernizantes ou nas ideologias do Ocidente nem o liberalismo, nem o marxismo, que apesar de toda sua oposição ao liberalismo, também viu o capitalismo como o agente involuntário da “modernidade” previa um tal resultado.

Referência bibliográfica:
HALL, Stuart. A Identidade Cultural da Pós-Modernidade. 10ª edição, DP&A Editora.

Fichamento: O que é Etnocentrismo

Segundo Rocha, etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e de todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo hostilidade, etc.
Segundo o autor, como uma espécie de pano de fundo da questão etnocêntrica temos a experiência de um choque cultural. De um lado, conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso” grupo, que come igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma forma, empresta á vida significados em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, nos deparamos comum “outro”, o grupo do “diferente”. O grupo do “eu” faz da sua visão a única possível ou, mais discretamente se for o caso, a melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo do “outro” fica como sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. A sociedade do “eu’ é a melhor, a superior, representada como o espaço da cultura, e da civilização por excelência. A sociedade do “outro” é atrasada. São selvagens, os bárbaros.
Segundo o exemplo de uma estória de um pastor que recebeu a missão de pregar junto aos selvagens no Xingu, Brasil, relatada por Rocha, podemos perceber alguns importantes sentidos da questão do etnocentrismo.
Em primeiro lugar, não é necessário ser um nenhum detetive ou especialista em Antropologia Social para perceber que , neste Cho que de culturas, entre o pastor e o índio, os personagens privilegiaram as funções estéticas, ornamentais, decorativas de objetos que, na cultura do “outro”, desempenham funções que seria principalmente técnicas. Para o pastor, o uso inusitado do seu relógio causou tanto espanto quanto o que causaria ao jovem índio conhecer o uso que o pastor deu a seu arco e flecha. Cada um “traduziu” nos termos de sua própria cultura o significado dos objetos cujo sentido original foi forjado na cultura do “outro”. O etnocentrismo passa exatamente por um julgamento do valor da cultura do “outro” dos termos da cultura do grupo do “eu”.
Esta estória representa um etnocentrismo “cordial”, já que ambos tiveram atitudes concretas sem maiores conseqüências. No mais das vezes, o etnocentrismo implica uma apreensão do “outro” que se reveste de uma forma bastante violenta.
A estória ainda ensina que o “outro” e sua cultura, da qual falamos na nossa sociedade é apenas uma representação, uma imagem distorcida que é manipulada como bem entendemos. Ao “outro negamos aquele mínimode autonomia necessária para falar de si mesmo.
Rocha diz que realizou um estudo sobre as imagens do índio nos livros didáticos de História do Brasil.
Segundo ele, alguns livros colocavam que os índios eram incapazes de trabalhar nos engenhos de açúcar por serem indolentes e preguiçosos. Ora, como aplicar adjetivos tais a um povo ou uma pessoa, que se recuse a trabalhar como escravo, numa lavoura que não é sua, para a riqueza de um colonizador que nem sequer é seu amigo: antes, muito pelo contrário, esta recusa é, no mínimo, sinal de saúde mental.
O índio é para o livro didático, apenas uma forma vazia que empresta sentido ao mundo dos brancos.
O autor assinala que nas nossas próprias atitudes frente a outros grupos sociais com os quais convivemos nas grandes cidades são, muitas vezes, repletas de resquícios de atitudes etnocêntricas. Rotulamos e aplicamos estereótipos através dos quais nos guiamos para o confronto cotidiano com a diferença. Mas, existem idéias que se contrapõem ao etnocentrismo. Uma das mais importantes é a de relativização. Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando. Quando o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta, mas no contexto em que acontece: estamos relativizando. Quando compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos, estamos relativizando. Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença.
Segundo o autor, a Antropologia Social, nasceu marcada pelo etnocentrismo.
Rocha diz que, em Portugal do final do século XV, com as navegações, os financiamentos para pesquisa e explorações, o mundo do “eu” se via obrigado, frente ao “outro”, a pensar a diferença. Muita violência, espanto e perplexidade iriam regular as relações entre os povos, sociedades e culturas tão impressionantemente diferentes a ponto de uma negar, freqüentemente, à outra a própria natureza humana. Destes encontros, entre a sociedade do ‘eu” e a sociedade do “outro”, o século XVI constitui-se em uma das arenas principais.
Rocha diz que, o primeiro destes pensamentos, ocorridos na antropologia e que procuram explicar a diferença, é conhecido como Evolucionismo.
Segundo o autor, a noção de evolução é um marco fundamental para o pensamento antropológico. Assim a diferença que se travestia em espanto e perplexidade, nos séculos XV e XVI, encontra, nos séculos XVIII e XIX, uma nova explicação: o outro é diferente porque possui diferente grau de evolução.
Evolução é o desenvolvimento obrigatório de uma determinada unidade que revela, pelo processo evolutivo, uma segunda forma, mostrando sua potencialidade. É um processo permanente onde um unidade qualquer se transforma numa segunda que, por sua vez, transforma numa terceira e assim sucessivamente.
Para Rocha, o evolucionismo biológico e o evolucionismo social se encontram e o segundo passa ser o modelo explicador da diferença entre o “eu” e o ‘outro”. O resultado disso vai ser a permanência do etnocentrismo agora traduzido na sociedade do “eu” como o estágio mais adiantado e a sociedade do “outro” como o estágio mais atrasado.
O autor diz que, ao afirmar que todas as formações sociais humanas tinham origens remotas e caminhavam no mesmo sentido, na direção do progresso, os evolucionistas pensavam que os australianos haviam parado num estádio “primitivo” e os ingleses avançado para um estádio “civilizado”. Mas restava ainda um problema teórico. A escolha e a definição dos critérios pelos quais seria possível medir o estádio de “avanço” de cada uma das sociedades existentes.
Rocha assinala que ele aparece no livro A Origem das Culturas de Sir Edward Tylor que, logo na primeira página diz o seguinte: “Cultura ou civilização, no seu sentido etnográfico estrito, é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade”.
Segundo o autor, a mudança nas sociedades se daria pela invenção, conseqüência do aperfeiçoamento do espírito científico. Temos dois marcos básicos. No extremo inferior os povos “primitivos” e no extremo superior os povos ditos “civilizados”. Cada item da cultura serve para demonstrar o percurso do primitivismo à civilização e encontrar para as sociedades um lugar neste caminho. Os itens culturais faziam papel de régua com a qual se media a distância histórica entre os povos.
Rocha diz que a contribuição de um dos antropólogos mais famosos da época, Lewis Morgan, foi exatamente calcular as sociedades segundo seu grau de evolução. Para Morgan, a “acumulação do saber” e o progresso da “faculdades mentais e morais dos homens” vão marcando as mudanças de estádios no caminho da evolução. Divide os cem mil anos de história humana em três períodos básicos – selvageria, barbárie e civilização.
Segundo o autor, o século XX traz para a Antropologia um conjunto vasto e complexo de novas idéias formuladas por um grupo brilhante de pesquisadores. Relativizar é uma palavra que até hoje, muito pouco saiu das fronteiras do conhecimento produzido pela Antropologia.
Para Rocha, o nome do alemão Franz Boas se liga a toda uma escola de pensamento que ficou conhecida como difusionismo ou escola americana. Esta alemão, no início do século, vai trabalhar nos Estados Unidos e influencia todo um importante grupo de alunos que se desenvolve um trabalho fortemente inspirado na fertilidade do seu pensamento.
Segundo rocha, o grande passo que parece estar vinculado ao trabalho de Boas é o de iniciar uma reflexão que veio a relativizar o conceito de cultura. Num programa onde o evolucionismo tomava a cultura ocidental, do “eu”, como absoluta e, a partir de seus padrões, organizava toda uma classificação das “culturas do “outro”. Foi ele o primeiro a perceber a importância de estudar as culturas humanas nos seus particulares. Cada grupo produzia, a partir de suas condições históricas, climáticas, lingüísticas, etc., uma determinada cultura que se caracterizava, então, por ser única e específica.
Rocha diz que o esforço de relativizar problematiza qualquer “saber”. As ideologias, em especial as extremadas, odeiam qualquer possibilidade de relativização. Elas estão centradas em seu próprio monólogo e a descentralização quebra sua auto-referência abrindo espaço a uma multiplicidade de pontos de vista, soluções e perguntas. Assim, as culturas humanas emergem da classificação evolucionista pura e simples que literalmente explode. Tornam-se mais difíceis, refratárias a estas explicações, complexas enfim.
Segundo o autor, Boas preocupado com o estudo da história concreta, particular de cada cultura ao invés de, como o evolucionismo, ter uma história única, geral, onde teriam de caber todas as culturas, voltou-se, definitivamente, para o mundo do “outro”.
Rocha diz que o livro Casa Grande& Senzala tem muito a ver com boas por dois motivos. O primeiro é esta oscilação e criatividade que Gilberto Freyre tão bem captou de seu professor. O segundo é pela incrível capacidade de Boas para formação de grandes alunos que perpetuaram suas visões da cultura humana e do fazer da Antropologia. São estudos que começam a fugir do etnocentrismo por conseguirem ver que o ambiente onde vive uma sociedade deve ser, por exemplo, fator importante para explicar sua cultura.
Rocha diz que Ruth Benedici e Margaret Mead compararam a sociedade americana com sociedades tribais fazendo um trabalho de ida ao “outro” e volta ao “eu”. Estabeleceu fértil diálogo com as teorias produzidas pela Psicologia. Duas são as principais marcas desta escola. A primeira seria a de instalar um profundo diálogo entre Antropologia e psicologia, discutindo as formas de interação entre indivíduo e sociedade. A segunda marca seria a incrível penetração conseguida pela escola, o seu destino popular. Da mesma foram como as diferenças entre culturas humanas são, freqüentemente, traduzidas em termos de superioridade e inferioridade, também encontramos, não raro, as diferenças vistas como questão de personalidade, caráter, temperamento, hipóteses da escola personalidade e cultura. A idéia central da escola é estabelecer a relação entre a cultura e as personalidades individuais. As idéias de personalidade e temperamento são como fatores capazes de determinar a base normativa da cultura.
O autor assinala que um dos problemas maiores desta corrente de pensamento, é o reducionismo, ou seja, a dificuldade de explicar alguma coisa que contém várias outras a partir de uma única das coisas contidas.
Segundo Rocha, se a escola personalidade e cultura instauraram um criativo debate entre Antropologia e Psicologia, o grupo cultura e linguagem buscaram no debate entre a Antropologia e a Lingüística a principal fonte de seu pensamento. A idéia básica que vincula as relações entre cultura e linguagem é uma idéia complexa e abstrata. É a língua, como um véu que faz a mediação entre a cultura e o mundo da realidade.
O autor relata que, a escola cultura e o ambiente, encabeçado por um antropólogo chamado Julien Steward, que diz que o ambiente é o fator determinante que restringe as opções culturais, existe uma interação onde elementos de ordem ecológica constrangem, tornando-se precondição, para a ordem cultural. Nesta visão da cultura entra em cena problemas como a tecnologia empregada no meio ambiente, os modelos de comportamento e exploração de uma área ecológica e a busca de equilíbrio entre a esfera ambiental e a cultural. A importância desse grupo é a de ter colocado questões de equilíbrio, preservação e mútua dependência entre as culturas e destas com o ambiente onde se erigem.
Segundo Rocha, alguns nomes fundamentais para a Antropologia fazem sua entrada aqui. Durkheim, Malinowski, Radcliffe-Brown são pesos pesados dentro da Antropologia e das ciências Sociais em geral.
Rocha diz que para Radcliffe-Brown o evolucionismo e difusionismo tinham algo ainda em comum. Para este dois movimentos uma mesma preocupação se fixou como questão fundamental, como um desafio permanente. Para o evolucionismo a história tinha “H” maiúsculo, era uma única para toda a humanidade. Como se, de Adão e Eva ao Juízo Final, todos caminhassem num mesmo sentido, que era o do “progresso”, o da “evolução”. Por outro lado, o pensamento difusionista propunha o estudo da história concreta de cada cultura, os processos próprios de mudança, troca e empréstimo que a caracterizam. É uma história com “h” minúsculo, de cada cultura particular, específica. Radcliffe-Brown discordou desta vinculação que existia entre a compreensão do presente de uma cultura e o estudo do seu passado. O presente não precisava ser necessariamente explicado pelo passado. Para o historicista, seja ele difusionista ou evolucionista, o presente se conhece pelo passado e estudar a história das culturas significa conhecer a verdadeira dimensão da cultura. Com isto, definitivamente, não concordou Radcliffe-Brown. Para ele a história conjetural, especulativa, contrastava fortemente com sua proposta de estudo funcional das sociedades.
Rocha assinala que quando Radcliffe-Brown desamarra a Antropologia da História abre um imenso espaço para que a sociedade do “outro” se mostre tal como ela é. O jogo entre o “eu” e o “outro” deixa, agora, de ter na hierarquia sua regra número um. É na trilha aberta por ele que a comparação dos diferentes se faz menos etnocêntrica. Para ele, a sincronia deveria ser analisada por conceitos bem precisos. É o caso de noções como “processo”, “estrutura” e “função”, que são cuidadosamente definidas para formarem um esquema interpretativo da realidade social.
Segundo o autor, Radcliffe-Brown achava conveniente estabelecer uma comparação entre a Antropologia e as Ciências Naturais. Comparava o sistema social ao corpo humano. Este, como um organismo complexo que é, tem a vida como um fluxo permanente que habita este corpo. A vida caracteriza um constante processo, o processo vital, de permanência obrigatória para a manutenção do organismo. Este organismo, por sua vez, possui uma estrutura composta de ossos, tecidos, fluidos, etc. A função estabelece a correlação entre o processo vital e a estrutura orgânica. Assim, o coração, por exemplo, desempenha a função de bombear o sangue através do corpo. Se parar de executá-la, termina o processo vital e a estrutura orgânica, enquanto estrutura viva também desaparece.
Rocha aponta que, na sociedade, algumas instituições desempenham uma “função crucial na manutenção do ‘processo” e da “estrutura”. Se estas funções forem suprimidas aquela sociedade se transformará numa outra diferente, onde outras instituições terão, por seu turno, outras “funções” cruciais. A sociedade não morreria, no mesmo sentido em que o corpo morre suprimida a função do coração, mas, atacada numa função básica, se descaracterizaria um ponto de se transformar profundamente.
Segundo o autor, o antropólogo, obrigado a estudos sincrônicos, tem de viajar. Tem de ir morar, experimentar a existência junto ao “outro”. Conhecer a diferença, experimentando-se a si próprio como diferente, por estar, por períodos significativos de tempo, fazendo “trabalho de campo” no mundo do “outro”. Neste sentido Malinowski foi o grande viajante da Antropologia.
Rocha diz que, outro nó, outro lado do laço, e não menos importante para a autonomia antropológica, vai ser desatado por Émile Durkheim. Durkheim afirma categoricamente uma ruptura: o social não se explica pelo individual. Vemos que o fato social é (1) coercitivo, (2) extenso e (3) externo. Em primeiro lugar, demonstrar que o fato social coage, pressiona os indivíduos com uma autonomia que os submete à sua lógica. Em outras palavras, o fato social pressiona o indivíduo, torna-se uma força diante da qual este é coagido a uma participação independente da sua vontade. Em segundo lugar, o fato social se estende por todo o grupamento onde ele acontece. Diante de fatos sociais que me envolvam não me é possível deles me excluir. Em terceiro lugar, ele é externo ao querer e ao poder do indivíduo. O fato social é, por todos e para todos, uma “coisa” que ultrapassa a cada um. Durkheim mostra que o social tem uma particularidade que não se confunde com a soma dos indivíduos.
Rocha assinala que, o etnocentrismo está calcado em sentimentos fortes como o reforço da identidade do “eu’. Possui, no caso particular da nossa sociedade ocidental, aliados poderosos. Para uma sociedade que tem poder de vida e morte sobre muitas outras, o etnocentrismo se conjuga com a lógica do progresso, com a ideologia da conquista, com o desejo da riqueza, com a crença num estilo de vida que exclui a diferença.
Segundo o autor, como “trabalho de campo” o mundo do “outro” começa a ter presença, na vida concreta dos antropólogos, como uma experiência da diversidade. Esta experiência começa a invadir a própria teoria antropológica que passa assim a se influenciar pelo mundo do “outro”.
O autor diz que, em vários momentos da teoria antropológica, aconteceu uma exigência de compatibilidade entre os conceitos de cultura e história. Como se a nossa maneira de conceber o tempo, a história fosse um modelo eficaz para o estudo de todas as formas da experiência humana, a cultura.
Segundo o autor, a esta visão de história correspondia a visão da cultura como listagem de fenômenos que seriam o sentido da vida em qualquer lugar. Todas as culturas teriam de viver experiências iguais, já que todas eram impulsionadas pelo mesmo motor histórico. A cultura evolucionista e a história evolucionista são solidárias; mais que isto, é reciprocamente definível.
Rocha diz que, com o difusionismo de boas e seus alunos a coisa toda parece menos etnocêntrica, mas ainda bastante problemática. A cultura deixa de ser uma lista de itens e é afogada na escolha de um único aspecto que domina tudo e acaba por defini-la. A noção de história deixa de ser a da humanidade como um todo e passa a ser procurada nos homens concretos com todas as suas diversidades. Nesta perspectiva, tudo se relativiza, mas pagando o preço de reduzir a cultura a uma espécie de conseqüência de um de seus próprios lados.
Segundo o autor, com Durkheim, Radcliffe-Brown e Malinowski a idéia de cultura toma uma força extraordinária e se desprende da História. No plano da observação do “outro” a regra do jogo é a sincronia e, para conhecê-la, experimentar a barra da “diferença” através do trabalho de campo. No plano teórico, a noção de fato social consagra a autonomia do objeto de estudo das ciências sociais. Colocava-se nitidamente a possibilidade de um entendimento da cultura humana de um ponto de vista não histórico. A noções da Antropologia tornam-se capazes de pensar igualmente a nossa sociedade e aquelas que dela diferem. Assim, o conceito de tempo linear, histórico, totalizador das “diferenças”, pode passar a ser questionado.
Rocha diz que, uma das idéias mais importantes nesta perspectiva foi colocada em discussão num livro chamado A Interpretação das Cultura, do antropólogo americano Clifford Geertz. Ele diz que a Antropologia não é uma ciência de tipo experimental que tenha como objetivo a procura de leis gerias e constantes. Ela é uma ciência interpretativa que busca apenas conhecer os significados que os seres humanos, tanto na sociedade do “eu” quanto do “outro”, dão às formas pelas quais escolheram viver suas vidas.
Segundo Rocha, sendo entendida como um sistema de comunicação que dá sentido à nossa vida, as culturas humanas constituem-se de conjuntos de verdades relativas aos atores sociais que nela aprenderam por que e como existir. As culturas são “versões” da vida; teias, imposições, escolhas de uma “política” dos significados que orientam e constroem nossas alternativas de ser e de estar no mundo.
Para Rocha, o ofício do antropólogo é captar as lógicas e práticas através das quais todos nós atualizamos os códigos de nossas culturas. Em termos mais precisos, seria interpretar este fluxo do discurso social, conhecer as diferentes realidades confeccionadas pelo homem, guardar as alternativas existenciais através das quais a humanidade se move.
Segundo Rocha, a Antropologia reflete, no jogo de seus movimentos, conjuntos de idéias, conceitos, métodos e técnicas que, na tensão do relacionamento entre o “eu” e o “outro”, procuram a relativização como possibilidade de conhecimento. O ser da sociedade do “eu” e os da sociedade do “outro” devem estar mais perto do espelho onde as diferenças se olham como escolha, esperança e generosidade. O etnocentrismo é exorcizado. O mundo no qual a Antropologia pensa se torna complexo e relativo. Chegamos ao ponto de voltar dessa viagem. A ida ao “outro” se faz alternativa para o “eu”. O plano onde as diferenças se encontram, onde o “eu” e o “outro” se podem olhar com iguais, onde a comparação se traduz num enriquecimento de possibilidades existenciais, é o plano mais amplo e profundo de um humanismo do qual o etnocentrismo se ausenta.

Referência bibliográfica:

ROCHA, Everardo P. G. O que é Etnocentrismo. 5ª edição, Editora Brasiliense, 1988. (Coleção Primeiros Passos)

CULTURA ESCOLAR

Segundo Carvalho a educação é hoje um dos principais veículos de socialização, de promoção do desenvolvimento individual e transmissor de cultura.
O autor assinala que, a cultura é um fator decisivo no funcionamento organizacional. A cultura distingue cada organização das restantes e agrega os membros da instituição em torno de uma identidade partilhada. Para ele a cultura é fundamental na criação de uma linguagem e categorias comuns, que permitem aos membros comunicar eficazmente, como também na definição de critérios de inclusão ou de exclusão do grupo e no estabelecimento de relações de intimidade e amizade.
O autor diz que, a cultura perpetua-se e reproduz-se através da socialização dos novos membros que entram no grupo.
Para Carvalho a educação escolar contribui para a interiorização dos valores da sociedade no indivíduo. Ela indica os rumos pelos quais a sociedade trilhará o seu futuro, pois a educação é influenciada cada vez mais por fatores socioeconômicos e políticos, e é nesta conjuntura participativa que cresce o seu papel em relação ao desenvolvimento como compromisso social.
Em seu texto menciona que o princípio da homogeneidade (das normas, espaços, tempos, alunos, professores, saberes e processos de inculcação) constitui uma das marcas mais distintivas da cultura escolar.
Com isso associaram-se novas tendências e modificações no âmbito do Sistema Educativo, designadamente, uma progressiva autonomia das escolas, aos níveis pedagógico, curricular e profissional, que proporcionaram um maior enfoque ao nível da escola enquanto unidade específica e única.
Segundo o autor as organizações escolares, produzem uma cultura interna que lhe é própria e que exprime os valores e as crenças que os membros da organização partilham. Produzem uma cultura interna que as diferenciam umas das outras.
No texto “A volta de um personagem do século XVI ao Brasil”, temos a história de um professor brasileiro do século XVI que voltou a Terra no século XX e que ficou abismado com que viu. Então preocupado com as mudanças da sociedade, este professor visitou a cidade inteira e cada vez menos compreendia o que via. Até que este professor resolve visitar uma escola e percebeu que durante todo esse tempo de mudanças na sociedade, a escola continuava da mesma forma.
Refletindo sobre o texto de Carvalho e o texto “A volta de um personagem do século XVI ao Brasil”, pode-se perceber que as mudanças sociais andam em ritmo acelerado, alguns fatores positivos e outros negativos.
Do século XVI ao século XX, temos um grande avanço da ciência e da tecnologia, e com isso várias instituições passaram por mudanças, como a Igreja, que no século XVI o padre rezava em latim, como também na Família, que perdeu momentos de diálogos, de interação, com o surgimento de vários aparelhos eletrônicos, no caso relatado no texto à televisão.
Mas uma instituição social que é a escola trouxe certa tranqüilidade ao personagem, pois apresentava uma estrutura organizacional tradicional, sem muitas mudanças. No texto é citado: “as carteiras, umas atrás das outras, o professor falando, falando, falando... e os alunos escutando, escutando, escutando...”
E isso leva a um questionamento, será que estes alunos estão adquirindo conhecimento e aprendizagem?
Nós temos diversas perspectivas quanto à cultura escolar e podemos perceber, nesse relato do professor do século XX, que as perspectivas funcionalistas e estruturalistas é que se apresentam. Na perspectiva funcionalista, a instituição educativa é um simples transmissor de uma cultura definida nos seus princípios, finalidades e normas pelo poder político, que muitas vezes não leva em consideração as necessidades da comunidade escolar. Na perspectiva estruturalista, a cultura escolar é produzida através da modelização das suas formas e estruturas, como planos de estudos, o modo de organização pedagógica, as disciplinas, etc.
Por este motivo, penso que não houve um estranhamento por parte do professor quando entrou em uma determinada escola, pois as estruturas e organizações escolares eram ainda muito similares com uma escola do século XVI.
Já na perspectiva interacionista, a cultura escolar é a cultura organizacional da escola. Nessa perspectiva, cada escola é única, pois ela interage com um conjunto de práticas, valores e crenças que são partilhados por todos que compõem a escola.
É de suma importância toda a legislação educacional produzida pelo Governo para administrar as escolas dentro de um Estado, mas o Projeto Pedagógico é o retrato da escola, é a identidade da escola.
O Projeto Pedagógico contêm as necessidades da escola, os objetivos, as metas a serem atingidas, quem faz parte da escola, quem esta escola atende, quais são os atores participantes da escola, em que comunidade está inserida, a cultura da comunidade escolar, quais são os projetos, os sonhos e os planos de ações.
E para que este Projeto Pedagógico tenha vida, é necessário na sua elaboração, a participação de todos os atores da comunidade escolar, para que os mesmos possam sentir que o Projeto faz parte deles e possam fazer a sua parte para que o todo se concretize.
É através do Projeto Pedagógico que temos a socialização, a uniformização das regras, a igualdade de oportunidades, a transmissão cultural e a escola adquiri uma cultura própria.


Bibliografia:

Nome do arquivo: Cultura escolar e cultura da escola/ Nome do Artigo: Cultura global e contextos locais: a escola como instituição possuidora de cultura própria – Renato Gil Gomes Carvalho.
Texto: “A volta de um personagem do século XVI ao Brasil” – Revista “Presença Marista” – nº 52, 1987.

O jogo, o brinquedo e o brincar.

1. APRESENTAÇÃO

Este trabalho O jogo, o brinquedo e o brincar têm a finalidade de enfatizar vários pontos de vistas de diferentes autores que tratam sobre o assunto.
Arce faz uma comparação da pedagogia desenvolvida por Friedrich Froebel com a teoria da atividade defendida por Leontiev, Elkonin e Vigotski, abordando o jogo e o desenvolvimento infantil.
Segundo a autora, o objetivo do artigo é analisar as semelhanças e diferenças entre, Froebel e, por outro lado, Elkonin e Leontiev, no que diz respeito às contribuições que esses autores deram à psicologia do desenvolvimento infantil e à educação pré-escolar.
Já o autor Guimarães, fala sobre o brincar e a brincadeira, sobre teorias que estão preocupadas com o comportamento lúdico, o prazer e o divertimento no ato de brincar, o jogo como motivador do desenvolvimento da capacidade motora e a importância da música.
Baseando-se em alguns textos utilizados no Programa de Curso da disciplina Desenvolvimento e Educação Infantil, ministrado no 1º semestre de 2009 pelo Prof. Dr. Roberto Carlos Miguel.

2. O JOGO E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA TEORIA DA ATIVIDADE E NO PENSAMENTO EDUCACIONAL DE FRIEDRICH FROEBEL.

Segundo Arce, em toda a obra de Froebel há uma constante comparação do desenvolvimento da criança com o das sementes; a criança é como uma semente a ser cultivada. Para Froebel o princípio a partir do qual todos os homens seriam iguais se encontrava na relação entre infância e Natureza. Somente conhecendo as relações entre infância, natureza e Deus é que poderíamos presentear cada indivíduo com o autoconhecimento e a aceitação de seu lugar em nossa sociedade. Essa tríade formaria o que Froebel denominava “unidade vital”, na qual a educação deveria estar alicerçada para poder conduzir o indivíduo ao desenvolvimento pleno.
A autora assinala que, para a realização do autoconhecimento com liberdade, Froebel elege o jogo como seu grande instrumento, juntamente com os brinquedos. O jogo seria um mediador nesse processo de autoconhecimento, por meio do exercício de exteriorização e interiorização da essência divina presente em cada criança, levando-a assim a reconhecer e aceitar a “unidade vital”. Segundo ele o jogo seria também a principal fonte do desenvolvimento na primeira infância, que para ele é o período, mais importante da vida humana, um período que constitui a fonte de tudo o que caracteriza o indivíduo, toda sua personalidade. As brincadeiras desenvolvem as características humanas das crianças, auxiliando meninos e meninas a encontrarem e exercerem desde cedo o papel que lhes cabe na sociedade.

“Na primeira infância as brincadeiras seriam mais centradas na atividade, no movimento, no início do processo de exteriorização da criança. No período chamado por Froebel de infância, a brincadeira seria mais grupal que no período da primeira infância. Esse caráter grupal da brincadeira na infância produziria o desenvolvimento moral das crianças e as prepararia para a convivência em harmonia.” (ARCE, 2004, p. 3).

“Na obra Pedagogia dos jardins-de-infância (1917), Froebel apresenta-nos os seus brinquedos criados para auxiliar a brincadeira infantil sem ferir seu desenvolvimento natural. Os brinquedos criados para esse fim foram chamados de “dons”. Froebel assim chamou esses brinquedos, ou materiais educativos, porque eles seriam uma espécie de “presentes” dados às crianças, ferramentas para ajudá-las a descobrir os seus próprios dons, isto é, descobrir os presentes que Deus teria dado a cada uma delas. Com esses brinquedos Froebel cristalizou importantes concepções a respeito do jogo, como por exemplo: ele observou que o jogo só funciona se as regras são bem entendidas; a continuação do jogo requer sempre a introdução de novos materiais e idéias; por essa razão existem muitas ocasiões nas quais o adulto deve brincar junto com a criança para auxiliá-la e manter vivo seu interesse. Todos os jogos de Froebel que envolvem os “dons” sempre começavam com as pessoas formando círculos, dançando, movendo-se e cantando. Dessa forma elas atingiriam a perfeita unidade. Froebel percebeu também, por meio desses jogos e brincadeiras, a grande força que os símbolos possuem para a criança. Assim Froebel elegia a brincadeira e os brinquedos como mediadores tanto no processo de apreensão do mundo pela criança, por meio da interiorização, como também no processo de conhecimento de si mesma pela criança (autoconhecimento), por meio da exteriorização. Por essa razão o criador dos Kindergarten entendia que os brinquedos e as brincadeiras não poderiam mais ser escolhidos ao acaso. Eles deveriam ser estudados para que se pudesse oferecer às crianças as atividades mais adequadas ao seu nível de desenvolvimento.” (ARCE, 2004, p.4).

Segundo Arce, ao se fazer uma comparação entre Froebel de um lado e, de outro, Elkonin, Leontiev e Vigotski, o foco se concentra principalmente nas distintas concepções a respeito de ser humano e de sociedade e, conseqüentemente, nas distintas concepções a respeito do jogo e do desenvolvimento infantil.
Arce diz que, Elkonin, discute a complexa questão da divisão do desenvolvimento infantil em estágios de acordo com a faixa etária ou com a aquisição de determinados patamares de desenvolvimento cognitivo. Entendia que a escola deveria estar compromissada com a construção dessa sociedade.
A autora afirma que, apoiados na concepção materialista-dialética de homem e sociedade, Elkonin, Leontiev e Vigotski desenvolveram uma corrente da psicologia que estudou o desenvolvimento humano e analisou o papel do jogo na educação e no desenvolvimento de crianças menores de seis anos. Para eles, as condições culturais, econômicas, sociais, históricas são fatores decisivos neste desenvolvimento. Não acreditavam em uma essência humana de origem do homem divina e espiritual, para eles fundamentar os estudos sobre o desenvolvimento humano nesse tipo de crença seria colocar-se longe da ciência e do pressuposto marxista de que o ser humano constrói a sua própria história.
Arce assinala que, Vigotski afirmava que o desenvolvimento infantil é um processo dialético, a passagem de uma fase a outra é marcada não pela simples evolução, mas por uma revolução que implicaria mudanças qualitativas na vida da criança. Esse processo não pode ser separado assepticamente da inserção da criança na sociedade e do reflexo desta nas necessidades da criança, em seus motivos e em seu desenvolvimento intelectual.
Segundo Arce, os autores Leontiev e Elkonin, ambos apoiados também por Vigotski, a brincadeira não é uma atividade instintiva na criança, mas a brincadeira é objetiva, pois ela é uma atividade na qual a criança se apropria do mundo real dos seres humanos da maneira que lhe é possível nesse estágio de desenvolvimento. Afirmam que a fantasia, a imaginação é um componente indispensável à brincadeira infantil, pois possibilita à criança se apropriar do mundo dos adultos a despeito da impossibilidade de a criança desempenhar as mesmas tarefas que são desempenhadas pelo adulto.

“Leontiev afirma claramente que a ruptura entre significado e sentido estabelecida durante a brincadeira é abandonada imediatamente assim que a criança deixa de brincar. Isso quer dizer que a criança em seu cotidiano age movida pela realidade objetiva e não se deixa dominar pela fantasia existente no momento da brincadeira.” (ARCE, 2004, p. 6).

“A brincadeira, segundo Vigotski (1984, p. 117), é a atividade principal porque "cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança", ou seja, no brinquedo a criança realiza ações que estão além do que sua idade lhe permite realizar, agindo no mundo que a rodeia tentando apreendê-lo. Neste ponto o papel da imaginação aparece como emancipatório: a criança utiliza-se da imaginação na brincadeira como uma forma de realizar operações que lhe são impossíveis em razão de sua idade. A criança reproduz ao brincar uma situação real do mundo em que vive, extrapolando suas condições materiais reais com a ajuda do aspecto imaginativo. Para que a criança possa tornar real uma operação impossível de ser realizada na sua idade, ela utiliza-se de ações que possuem um caráter imaginário, o faz-de-conta entra em cena, gerando uma discrepância, segundo Leontiev (1988), entre a operação que deve ser realizada (por exemplo, andar a cavalo) e as ações que formam essa operação (por exemplo, selar o cavalo, montar no cavalo etc.). Como a criança não pode usar um cavalo real, ela utiliza-se de um cabo de vassoura, por exemplo, como se este fosse seu cavalo. Isso ocorre porque a criança tem como alvo o processo e não a ação.” (ARCE, 2004, p. 6).

“Leontiev (1988, p. 126) afirma que na brincadeira todas as operações e ações que a criança realiza são reais e sociais; por meio delas a criança busca apreender a realidade. Leontiev apresenta um exemplo de crianças brincando de vacinação contra a varíola. Nessa brincadeira as crianças imitavam a seqüência real da ação realizada para a vacinação. Primeiro passava-se álcool na pele e depois era aplicada a vacina. O adulto pesquisador que observava essa brincadeira propôs às crianças a utilização de álcool de verdade, o que foi recebido com entusiasmo pelas crianças. Mas então ele disse que precisaria pegar o álcool em outra sala e sugeriu que elas fossem aplicando a vacina enquanto ele iria buscar o álcool e deixassem para passar o álcool ao final do processo. As crianças não aceitaram a sugestão e preferiram não usar álcool de verdade, mas manter a seqüência real da ação. Desse exemplo Leontiev extrai a seguinte conclusão: Em um jogo, as condições da ação podem ser modificadas; pode-se usar papel, em vez de algodão; um pedacinho de madeira ou um simples pauzinho, em vez de agulhas; um líquido imaginário em vez de álcool, mas o conteúdo e a seqüência da ação devem, obrigatoriamente, corresponderá situação real.” (ARCE, 2004, p. 6-7).

Arce assinala que, para Elkonin, o jogo é um dos mecanismos dentro e fora da escola capazes de auxiliar a criança a apreender o conjunto das riquezas produzidas pela humanidade, gerando revoluções no desenvolvimento infantil.
Através do estudo apresentado por Arce, Froebel aponta uma visão romântica e naturalizante tanto do desenvolvimento infantil quanto do jogo, ao passo que a escola soviética da psicologia se calca no materialismo histórico-dialético. Froebel apresenta uma visão do homem e sociedade centrada em uma concepção mística, subjetivista, naturalizante e alienada; e Leontiev, Elkonin e Vigotski, buscam compreender o homem como protagonista e fruto da história visando a propiciar a esse homem a apreensão deste movimento e das riquezas produzidas.

3. O BRINQUEDO E O BRINCAR: FATORES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Segundo Guimarães, há divergências a respeito do significado do jogo, embora seja consensual a opinião a respeito do seu valor. Por outro lado, o ato de brincar, o ato lúdico, é visto sob as mais diversas perspectivas de interpretação.
Guimarães cita Courtney (1980) que diz que, surgem várias teorias, todas elas preocupadas em justificar o comportamento lúdico. Surgem as teorias fisiológicas: Teoria da recreação (Mouritz Lazarus); a Teoria do Relaxamento (Patrick); Teoria da Recapitulação (G. Stanley-Hall).
A Teoria da Recreação concebe o jogo como fator de animação e restauração das forças vitais do indivíduo, tanto em seus aspectos físicos quanto mentais. A Teoria do Relaxamento, mais preocupada com o jogo adulto, está calcada na idéia de ação livre e espontânea desfrutada pelo indivíduo. É uma contraposição aos processos fatigantes do trabalho. A Teoria da Recapitulação remete ao conceito de hereditariedade.
Guimarães ao comentar de modo geral as teorias que tentam explicar o jogo, o brinquedo e a brincadeira, cita Huizinga que destaca que, umas teorias se preocupam em apontar como origem e fundamento do jogo a descarga de energia vital, outras teorias oferecem a satisfação de “instinto de imitação” ou “necessidade de distensão”. Outras mencionam o jogo como algo preliminar, preparatório para as “tarefas sérias’ da vida. Há, também, aquelas preocupadas em relacionar a atividade a um “exercício de controle” do indivíduo; há as que enfatizam o desejo de domínio e competição etc.

“A alegria, este estado de espírito desprovido de quaisquer preocupações práticas e objetivas, é um signo constante nos jogos, brinquedos e brincadeiras. Isto é, os adultos costumam a comentar a respeito da felicidade das crianças durante o ato de brincar. Criança que brinca é criança feliz!” (GUIMARÃES, 2003, p. 76).

Guimarães diz que, o prazer e o divertimento completam o ato de brincar, o desenvolvimento infantil pleno, em situação normal, ou seja, quando a criança não está submetida a qualquer processo repressivo, está sempre calcado neste binômio. Coincidentemente o drama (conflitos e deveres) é vivenciado diariamente no espaço escolar. E o jogo, o brinquedo, a brincadeira, enfim, as manifestações lúdicas da criança, nem sempre são vistos como radicalmente necessárias.
Segundo Guimarães, o ato de brincar, a brincadeira, permite-lhe uma vivência cultural plena, sadia, gratificante e prazerosa. Isso ocorre quando o educador, seguro de seus propósitos e dominando a metodologia de trabalho, propõe atividades específicas para cada faixa etária; escolhe criteriosamente os conteúdos adequados a seus objetivos e estabelece um repertório de brincadeiras apropriadas a cada fase do desenvolvimento da proposta pedagógica.
O autor propõe a utilização dos jogos, brinquedos e brincadeiras como recurso para o desenvolvimento da capacidade motora e destaca a importância da música para o desenvolvimento de atividades com crianças.
Diz que, se trocarmos os substantivos jogo e brinquedo pelos verbos correspondentes jogar e brincar, perceberemos que estamos diante de ações. Jogar e brincar são necessariamente atividades que exigem movimento. Podemos concluir que na realização da brincadeira temos uma atuação. Quando a palavra brinquedo é usada no sentido de ação, denota não mais o objeto e, sim, a relação dinâmica, a ação lúdica. Passa a ter o mesmo significado de jogo ou brincadeira.
Segundo Guimarães, em termos de educação, os jogos, brinquedos e brincadeiras podem servir como meio para uma melhor adaptação e integração do indivíduo ao seu ambiente social. O jogo é o resultado de ação. Esta ação, por intermédio de movimentos de caráter físico ou intelectual, conduz ás idéias de competição e colaboração. Em contrapartida, a ação, elemento primordial para a realização do jogo, brinquedo ou brincadeira provoca no oponente uma reação. A aceitação de regras é uma reação inteligente e pré-determinada, constituindo-se, assim, uma atitude social. O objetivo final do jogo é a “vitória”, o prêmio pela superação de obstáculos.
Para Guimarães, participar de uma brincadeira significa integrar-se completamente ao seu contexto. Enquanto atividade de caráter lúdico, o jogo pode ser considerado um passatempo, mas não podemos dizer que não se trata de uma atividade séria. Quando observamos um grupo de pessoas brincando, podemos comprovar, pela atitude que assumem, notadamente no que diz respeito ao cumprimento das suas regras, a seriedade com que encaram a atividade. Sob a ótica do praticante, o momento de brincar exige alto grau de concentração e completa disposição.
Segundo o autor, nos jogos, brinquedos e brincadeiras, muitas vezes, a música é imprescindível, seja na forma de melodias cantadas em solo ou em conjunto, seja na forma de marcação rítmica. As brincadeiras com música oferecem muitas oportunidades de desenvolvimento das potencialidades das crianças.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARCE, Alessandra. O jogo e o desenvolvimento na teoria da atividade e no pensamento educacional de Friedrich Froebel. Cad. CEDES, Campinas, v. 24, n. 62, 2004.
GUIMARÃES, J. G. M. O Brinquedo e o Brincar: Fatores de Desenvolvimento Humano, In: CADERNOS DE FORMAÇÃO: CADERNO DE EDUCAÇÃO INFANTIL: PROJETO PEDAGOGIA CIDADÃ, ORG. GUIMARÃES, J.G.M. São Paulo: UNESP. Pró-Reitoria de Graduação, 2003.

Paralelo entre o Paradigma da Integração e o Paradigma da Inclusão

Os artigos pesquisados da Revista de Educação Especial – Inclusão busca esclarecer as diferenças entre paradigma da Integração e paradigma da Inclusão.
Segundo o artigo “Inclusão: o paradigma do século 21”, o paradigma da integração, defendida durante os últimos cinqüenta anos, ocorria e ainda ocorre de três formas:
Pela inserção pura e simples daquelas pessoas com deficiência que conseguiam ou conseguem, por méritos pessoais e profissionais, utilizar os espaços físicos e sociais, bem como seus programas e serviços, sem nenhuma modificação por parte da sociedade;
Pela inserção daquelas pessoas com deficiência que necessitavam ou necessitam de alguma adaptação específica no espaço físico comum ou no procedimento de atividade comum a fim de poderem, estudar, trabalhar, ter lazer, conviver com pessoas sem deficiência;
Pela inserção de pessoas com deficiência em ambientes separados dentro dos sistemas gerais. Por exemplo: escola especial junto à comunidade; classe especial numa escola comum; setor separado dentro de uma empresa comum; horário exclusivo para pessoas deficientes num clube comum, etc.
Segundo Sassaki nenhuma dessas formas de integração social satisfaz plenamente os direitos de todas as pessoas com deficiência, pois a integração pouco exige da sociedade em termos d modificação de atitudes, de espaços, de objetos e de práticas sociais. No modelo integrativo, a sociedade, praticamente de braços cruzados, aceita receber pessoas com deficiência, desde que elas sejam capazes de:
Moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados (classe especial, escola especial etc.);
Acompanhar os procedimentos tradicionais (de trabalho, escolarização, convivência social etc);
Contornar os obstáculos existentes no meio físico 9espaço urbano, edifícios, transportes etc.);
Lidar com as atitudes, discriminatórias da sociedade, resultantes de estereótipos, preconceitos e estigmas;
Desempenhar papéis sociais individuais (aluno, trabalhador, usuário, pai, mãe, consumidor etc.) com autonomia, mas, não necessariamente, com independência.
Sassaki assinala que a integração constitui um esforço unilateral tão somente das pessoas com deficiência e seus aliados, sendo que a pessoas com deficiência deve procurar tornar-se mais aceitável pela comunidade. A integração sempre procurou diminuir a diferença da pessoa com deficiência em relação à maioria da população, por meio da reabilitação, da educação especial e até de cirurgias, pois ela partia do pressuposto de que as diferenças constituem um obstáculo, um transtorno que se interpõe a aceitação social.
Segundo Sassaki, os princípios da educação inclusiva são corretamente implementados, quando surgem os seguintes resultados imediatos:
As escolas regulares se transformam em unidades inclusivas enquanto as escolas especiais vão se tornando centros de apoio e capacitação para professores, profissionais e demais componente dos sistemas escolares;
As necessidades dos alunos são implementadas, nas seis dimensões de acessibilidade (Acessibilidade arquitetônica, acessibilidade comunicacional, acessibilidade metodológica, acessibilidade instrumental, acessibilidade atitudinal);
Aplicação da teoria das Inteligências múltiplas na elaboração, apresentação e avaliação das aulas;
Incorporação dos conceitos de autonomia, independência e empoderamento nas relações entre todas as pessoas que compõem cada comunidade escolar;
Práticas baseadas na valorização da diversidade humana, no respeito pelas diferenças individuais, no desejo de acolher todas as pessoas, na convivência harmoniosa, na participação ativa e central das famílias e da comunidade local em todas as etapas de aprendizagem e na crença de que qualquer pessoa, por mais limitada que seja em sua funcionalidade acadêmica, social ou orgânica, tem uma contribuição significativa a dar a si mesma, às demais pessoas e à sociedade como um todo.
No artigo “Educação Inclusiva: Será que sou a favor ou contra uma escola de qualidade para todos?”, Ferreira assinala que a Educação Inclusiva vem crescendo no mundo inteiro, com base no pressuposto de que toda criança tem direito à educação de qualidade e de que, portanto, os sistemas educacionais têm que mudar para poder responder a essas necessidades.
Para Ferreira a Educação Inclusiva não diz respeito somente às crianças com deficiência, mas diz respeito a todas as crianças que enfrentam barreiras de acesso à escolarização ou de acesso ao currículo, que levam ao fracasso escolar e à exclusão social.
Para ele a educação inclusiva se caracteriza como um movimento em defesa da escola de qualidade para todos, nas quais todos estejam comprometidos com a melhoria da escola para todos os membros da comunidade escolar e a valorização de todos por meio do desenvolvimento pessoal e profissional.
Ferreira diz que o movimento pelas escolas inclusivas tem como principal objetivo romper com as práticas didático-pedagógicas autoritárias e alienantes, que não reconhecem o papel fundamental do aluno no processo ensino-aprendizagem. Uma escola inclusiva deve ser humanística, no sentido de assumir a formação integral da criança e o jovem como sua finalidade primeira e última. Não pode somente se referir a um grupo social em desvantagem e excluído, mas deve se comprometer e lutar pelo direito de todos aqueles que vivem em situação de risco, como resultado de uma sociedade injusta e desigual que privilegia os que têm em detrimento daqueles que nada possuem.
Segundo Ferreira um professor comprometido com a inclusão deve ter em mente que:
A educação é um direito humano;
As crianças estão na escola para aprender;
Há crianças que são mais vulneráveis á exclusão educacionais do que outras;
E é da responsabilidade da escola e dos professores criar formas alternativas de ensino e aprendizagem mais efetivas para todos.
No artigo “A Educação Inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI”, Sánchez analisa a nova perspectiva da diversidade no âmbito da educação inclusiva.
Segundo o contexto do nascimento da inclusão, os pressupostos nos quais se fundamenta e o significado da educação inclusiva, a autora cita que no final dos anos 80 e princípios dos 90, o movimento da inclusão, manifesta sua insatisfação pela trajetória da integração. Questionam o tratamento dado aos alunos com necessidades educacionais especiais no sistema de ensino em muitos países.
Sánchez assinala que na conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, de 1994, em Salamanca, os especialistas ali reunidos estabeleceram um plano de ação cujo principio norteador mostrava que as escolas deveriam acolher todas as crianças,independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas e outras. As escolas devem desenvolver uma pedagogia capaz de educar com êxito todas as crianças.
Segundo Sánchez, a Declaração de Salamanca, ao longo de todos os anos tem mantido a posição em defesa dos mais desfavorecidos. Isto tem contribuído para o reconhecimento dos direitos humanos e dos princípios de igualdade e equidade.
Para dar cumprimento a os objetivos, são fixados quatro princípios básicos em que deve centrar a educação ao longo da vida de uma pessoa:
Aprender a conhecer: consiste em adquirir os instrumentos que se requer para a compreensão do mundo que nos cerca, para viver com dignidade, desenvolver capacidades profissionais e comunicar-se com os demais.
Aprender a fazer: que o aluno tenha a possibilidade de desenvolver sua capacidade de comunicar-se e trabalhar com os demais, afrontando e solucionando os conflitos que possam ser apresentados a ele.
Aprender a viver juntos: requer o desenvolvimento da compreensão ante o outro, e a percepção de formas de interdependência, respeitando valores do pluralismo, a compreensão mútua e a paz.
Aprender a ser: conferir a cada ser humano, a liberdade de pensamento, de juízo, de sentimentos e de imaginação para desenvolver-se em plenitude estética, artística, desportiva, científica, cultural e social, e a trabalhar com responsabilidade individual.
Podemos apresentar que as causas fundamentais que tem promovido o aparecimento da inclusão são de dois tipos: por um lado, o reconhecimento da educação como um direito, e, por outro, a consideração da diversidade como um valor educativo essencial para a transformação das escolas. Uma vez adotada esta perspectiva por uma escola ou por um sistema de ensino, deverá condicionar as decisões e ações de a todos àqueles que a tenham adotado, posto que incluir significa ser parte de algo, formar parte do todo, enquanto que excluir significa manter fora, apartar, expulsar.
A educação inclusiva propõe aumentar a participação de todos os alunos no currículo escolar e a redução da exclusão escolar e social.

Segundo Sánchez, a educação inclusiva é uma questão de direitos humanos, já que defende que nãos e pode segregar, a nenhuma pessoas como conseqüência de sua deficiência, de sua dificuldade de aprendizagem, do seu gênero ou mesmo se esta pertence a uma minoria étnica.



Fonte de pesquisa:
SASSAKI, R. K. Inclusão: o paradigma do século 21. In: Inclusão - Revista da Educação Especial. Out/2005
FERREIRA, W. B. Educação Inclusiva: Será que sou a favor ou contra uma escola de qualidade para todos? In: Inclusão - Revista da Educação Especial. Out/2005.
SÁNCHEZ, P. A. A Educação Inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI. In: Inclusão - Revista da Educação Especial. Out/2005.